quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Momentos de outra vida VI

Louco seria se de ti esperasse na crença de que os sentidos não se negariam aceitar a evidência da tua alma… - Na realidade Amas-me, mesmo que no teu íntimo o negues a ti própria. Escuta o desejo ardente de teu corpo, o grito da tua alma, o calor de teu rosto ao sentir-me, ao cuidar de me recordares em ti.
Recorda as horas profanas no nosso primeiro desejo, antes da visão, antes da voz, antes do toque, as palavras que te incendiaram sem que eu falasse, sem que eu me insinuasse num gemido, na estravagância de apenas me imaginares em ti.
Nome gemido no eco da aura, na paixão solene, ardor devorador do húmido desejo, que te dilacera o corpo, apenas restituída à vida, nos amplos movimentos te levam ao êxtase…
-Ah, se fosse possível, prolongar, e desejar que o momento existisse num tempo de sempre!..
 
Sírio de Andrade®

Momentos de outra vida V



As vestes que envergo oprimem-me e sufocam-me, enquanto a noite me cerca na solidão intolerantemente pesada, enquanto do desejo cresce na distância da tua ausência, as paredes cercam-me aprisionam-me em mim, num petrificante desejo de imobilidade insignificante da dor de uma lagrima que me rola na saudade.
Nas frequentes e esforçadas tentativas de não te recordar em mim, sinto teu cheiro na minha pele, por entre lutas intensas para esconder em mim os vestígios do querer absoluto que seja tua mais uma vez… mergulho em mim, as minhas mãos lascivamente, percorrem todo o meu íntimo, querendo em mim satisfazer a alma…
E caio em silencio na saudade de me a ti entregar…
 
Sírio de Andrade®

Momentos de outra vida IV


Reescreve em mim a louca sedução em que me envolves, apaga em mim as tristes e enfadonhas palavras escritas no pudor da mente. Toma-me a alma, faz-me desfalecer o corpo na vontade de viajar em teu mundo, em teu corpo, arrebata-me pelo sentir, pelo desejo consciente com que me despertas.
 
Envolve-me na doce loucura da descrição do ambiente, do sonho tornado prazer, nas palavras elevadas à loucura de me teres, desperta-me no sussurro da doçura das palavras sopradas ao ouvido, das crenças, dos despudorados movimentos imaginários do querer.
 
Aceita-me na resposta, solta-te, desprende-te da visão solitária do teu quarto, se eu, sente-me, que tuas mãos sejam as minha, que meu corpo seja o teu, vive em mim o teu sonho, sonha em ti o movimento… proteja-me em ti, na vida que minhas mãos desenham na busca do prazer…
Amemo-nos apenas, nesta noite de solidão…
Entre o sonho e a realidade da ausência que sinto em ti….
 
Sírio de Andrade®

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ponte,**

Rejo-me pelos sons de passos largos
Rejo-me pelo som das gotas de água
Pelo som dos travões do autocarro
Pela sirene dos bombeiros, da polícia
Pelos pregões da varina, do ardina
Pela buzina do táxi, os passos deles
Dos apressados sem rosto, sem vida
Corrida cega, sem visão periférica!

Rejo-me pelos ruídos do mundo
Rejo-me pelos sons do teto,
Deste lar, tão meu, tão de todos
Desta ponte que todos os dias cruzas
Ignorando que existe alguém vivendo
Apenas assim, só, marginalizado,
Debaixo dos teus apressados pés!

Sírio de Andrade®
In: Antologia Depressiva

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Em ti


 


Se a noite cair em mim?
Se as trevas se erguerem?
Se a ausência de luz reinar?
 
Quem serei?
De que forças me socorro?
Num coração enegrecido?
 
Só pela força do teu sentir,
Pela arte da tua conquista,
Posso eu renascer,
Das trevas, das cinzas,
No desejo projetado em ti!
 
Sírio de Andrade®
In: Seduz-me
 

Desejo poético


No quente desejo que me consome
Não sou eu que te seduzo,
Regente de ardil palavras,
Dispo-te a alma, não para que eu veja,
Mas para que acordes, e te olhes
Para que te admires em ti, no ser
No querer, no vil desejo que te consome,
Não, nunca fui culpado, nunca serei,
Por apenas te retirar a venda, por olhares
Por veres agora, como amar, sem mesmo
Te tocar o corpo, sem um sopro sentir,
Apenas pelo dom da palavra
Que de mim, ecoa em tua mente!
Sírio de Andrade®
In: Seduz-me
 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Corrida ao Trabalho...

 
descem e sobem as escadas
apressados, corridos, rostos frios,
inertes, descontentes,
desumanamente fieis,
económico poder,
que os faz mover,
perdem, perdem-se,
perde-se a humana vida a viver!

Olhos que não veem
Mãos que não agem
orelhas que não ouvem,
fixos na chegada,
perdem, toda a humana
doce, singela, alegre, bela,
humana corrida
viver- viver apenas a vida!

Sírio de Andrade®
In: Antologia Depressiva
 

 

domingo, 8 de novembro de 2015

Solitário Acordar!



Solitário acordar!
Perco-me, onde me encontro
Ignóbil vontade de um acordar solitário
Nada, em nada, nunca preparado
Solidão imposta, 
Sobreposta pela mera sobrevivência
A subserviência laboral
Arrasta teu corpo para fora do meu
Fico assim cansado no descanso
De estar só, na companhia
Do sentir decidido
De te amar fora de mim!

Sírio de Andrade®
In: Antologia Depressiva

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Eterno é o dia-a-dia..


Eterno é o dia-a-dia...
Dia, tarde, noite,
O amor é isso,
Um tempo sucessivo,
Continuamente interrompido,
Por um tudo ou nada pensado,
Desviado do propósito da vida,
Um trabalho, uma noticia,
E o amor, posto de lado,
Dobrado, amarrotado como revista,
Tudo passa, tudo finda,
Fica o amor, esquecido,
Agora lembrado,
Pegado, beijado,
Abraçado, revivido,
No fim apenas ele,
É eterno dia-a-dia!
 
Sírio de Andrade®
In: Antologia depressiva


 

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Arrogância...



Nas mãos de um "poeta"
As palavras como armas,
Na direção de moldar
Atingir, fragilizar
Lanças dirigidas
A incautos e fragilizados sentires
Caçador exímio de presas sonolentas
Na beleza das palavras
Um negro propósito
Arrematar para si
Sequestrar para si
O coração sofredor
Será este o assédio revoltante
Degradante e deprimente
Que não desejam ver exposto?
E mesmo assim...
A arrogância os assiste...

Pyxis e Sírio de Andrade®

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Arte do Silêncio


Interpretação de um verso,
Lido e relido no reverso,
Escorro as loucas palavras,
De uma vã eloquência,
Do sentido gritado na voz
De um arauto poeta quieto,
Perdem-se estrelas,
No olhar repousante na lua,
Perdem-se janelas,
Batendo em portas nuas!
Perde-se o sentir,
Na lágrima escorrendo do partir,
Perdemos um quadro,
Quando aprendemos apreciar
Uma alva tela branca!
E na arte do silêncio
Perdemos por não saber falar,
Nos gestos calados do sorriso!
 
Sírio de Andrade®
In: Antologia Depressiva

Nada Sou...



Sim, sei que nada sou,
No tudo que sou, sou nada,
Sou dejeto da incúria humana,
Na vil desumanidade do ser,
Sou a insignificância do nome,
Do nome que não ouso usar
homem, como posso ser
como posso ousar chamar-me
De homem...
E tudo que de nada faço
E tudo que digo e não faço
Simplesmente acontecer
Sou um nada escrevente
Sou um nada falante
Sou um nada
Se nada faço
E tudo o que faço
Está erradamente
Condenado
A ser mal interpretado...
Nada sou,
E no nada que sou
Nada faço
E o que faço
Nada me chega!...

Sírio de Andrade®
In: Antologia depressiva

 

Paz na navegação…



Rude noite ensaiada
Desvirtuado querer
Conquista desejada
Território ocupado
Parte, descobre
Tanta ilha desabitada
Inóspita dizes
Quem sabe a ser domada
Palmeiras hirtas
Desajeitadas
Sequiosas de corte.
 
Deixai, segui em frente
Outra ilha, outro continente
Nada há a conquistar
Que não esteja consumido…
 
Ó gente minha
De onde vindes vós
Não vos quedeis por aqui
Nem há abrigo
Nem água a limpar o pó…
 
Não cuideis desprotegido
Este forte que avistais
Pode parecer sozinho
Apenas a enganar as tais…
Não, não vos quedais por aqui
Aprendei, segui viagem,
Ide a outras paragens…
 
Sírio Andrade®
In: Antologia Depressiva